terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Comer Orar Amar II

"Estou feliz, saudável e equilibrada. E sim, não posso deixar de notar que estou a caminho daquela bonita ilha tropical com o meu amante brasileiro. O que é, confesso, um final do tipo conto de fadas para esta história, como a página arrancada ao sonho de uma dona de casa. (...) Contudo, aquilo que me impede de dissolver agora mesmo num clarão feérico é esta sólida verdade, uma verdade que me fortaleceu ao longo dos últimos anos - não fui salva por um príncipe, fui eu a administradora do meu próprio salvamento.
Os meus pensamentos viram-se para algo que em tempos li, algo em que os budistas Zen acreditam. Dizem que um carvalho é criado por duas forças em simultâneo. Obviamente, há a bolota em que tudo começa, a semente que contém toda a promessa e potencial, que se transforma em árvore. Toda a gente pode ver isso. Mas só alguns reconhecem que há outra forma que a opera - a futura árvore em si, que quer tanto existir, traz a bolota à existência, fazendo com que a planta saia do vácuo, guiando a evolução do nada à maturidade. Neste aspecto, dizem os Zen, é o carvalho que cria a própria bolota de onde nasceu."

Elizabeth Gilbert, Comer Orar Amar

domingo, 5 de dezembro de 2010

Comer Orar Amar I

"A seguir, esvaziam-me os bolsos de qualquer alegria que lá tivesse. A depressã chega mesmo ao ponto de confiscar a minha identidade; mas ela faz sempre isso. Depois, a solidão começa a interrogar-me, o que me aparvora porque se prolonga sempre horas a fio. É educada mas inflexível e acaba sempre por me apanhar em falso. Pergunta-me se tenho conhecimento de alguma razão para estar feliz Pergunta porque estou sozinha esta noite. (...) Regresso a casa, esperando afastá-las, mas aquelas duas palermas continuam a seguir-me. A depressão agarra-me firmemente o ombro e a solidão assedia-me com as suas perguntas. Nem sequer me dou ao trabalho de jantar, não quero que me vigiem. Também não quero deixá-las subir as escadas até ao meu apartamento, mas conheço a depressão e sei que não há como impedi-la de ir se assim o decidir.
– Não é justo virem aqui – digo à depressão. – Já saldei as contas convosco. Cumpri a minha pena quando estava em Nova Iorque.
Mas ela limita-se a brindar-me com aquele sorriso sombrio e instala-se na minha cadeira favorita, põe os pés em cima da mesa e acende um cigarro, enchendo tudo de fumo. A solidão observa e suspira, depois deita-se na minha cama e tapa-se com os cobertores, totalmente vestida, de sapatos e tudo. Já sei que vou ter de dormir com ela outra vez esta noite.”
Elizabeth Gilbert, Comer Orar Amar